Você sabe como foi a fundação de Macapá? Veja o que a história tem a dizer sobre nossa querida “Joia da Amazônia”
264 anos depois… o que comemorar?
Célio Alício (Historiador)
A cada ano seguimos a mesma toada e comemoramos o dia 4 de fevereiro como a primavera ou o natal de nossa cidade, que o mitológico comunicador J. Ney batizou de “Cidade Joia da Amazônia. Embora saibamos que antes dessa data, aventureiros estrangeiros por aqui passaram antes da fixação portuguesa, e antes deles aqui já estavam as comunidades primitivas autóctones ou vindos de outros partes do mundo em levas migratórias, tendemos a contar o tempo deste rincão a partir de uma suposta gênese ocorrida no século XVIII, e que tem como ponto inicial um destacamento militar tomado de invasores franceses e que havia sido instalado numa falésia no ponto onde anos depois foi construída a Fortaleza de São José.
A partir de então foi surgindo o pequeno povoado formado por militares, religiosos, colonos lusitanos e seus escravos e os indígenas da região, com grande impulso a partir de 1751, quando para cá vieram, sob à batuta de Mendonça Furtado, governador do Grão-Pará e irmão do primeiro ministro português Marquês de Pombal, colonos portugueses da Ilha dos Açores com seus escravos e pertences. Em 1758, o povoado foi elevado à categoria de vila, em 1761 foi inaugurada a igreja matriz de São José e, entre 1764 e 1782, foi construída a Fortaleza de São José. Esses fatos contribuíram para o aumento do lugar e da população e foram dando a vila uma face mais urbana com seus poucos e parcos domicílios. Após a Independência do Brasil, ocorrida em 1822, Macapá foi alçada à condição de município e ganhou foros de cidade em 6 de setembro de 1856.
Decorrido o período imperial e atingida a etapa republicana, Macapá não evoluiu e sua gente pouco cresceu, meio que parando no tempo. No final do século XIX, o surgimento do primeiro jornal, Pinsônia, e a construção do prédio da intendência local, ambos os fatos ocorridos em 1895, podem ser mencionados como fatos relevantes em meio à irrelevância que caracterizava a microscópica cidade. Entre esses fatos e criação do Território Federal do Amapá (TFA), em 13 de setembro de 1943, pouco ou quase nada pode ser acrescentado à evolução histórica de Macapá, a não ser a presença marcante de personalidades como o padre Júlio Maria Lombaerd e intendentes como Coriolano Jucá, Leopoldo Machado, Ernestino Borges, entre outros.
Pode se afirmar com a maior das certezas que a criação do TFA e tudo o que a esse fato foi vinculado ou veio no seu rastro, foi sob todos os aspectos um marco divisor insofismável na história de Macapá. Até então minúscula e acanhada cidade não conhecera até então nenhuma circunstância que pudesse mudar radicalmente sua pacata rotina ou lhe fizesse ganhar maior atenção do governo paraense ao qual era até então vinculado ou do poder republicano central. A verdade é que o decreto-lei nº 5.812 de 13 de setembro de 1943, muito mais do que criar o Amapá territorial ao lado de cinco outras unidades federadas, descortinou um horizonte imenso, em cuja amplidão, Macapá e o território como um todo poderia alçar voos mais longos e ousados do que os passos curtos e trôpegos esboçados até aquele momento.
Entre 1943 e 1988, quando o TFA foi transformado em Estado juntamente com Roraima e Tocantins, foram 45 anos em que o Amapá, e particularmente Macapá, experimentaram avanços nunca vivenciados entre o advento da vila, em1758 e a criação do território federal setentrional em 1943. Com Janary Nunes, primeiro governador, o que antes quase inexistia, passou a existir e ter vida própria. Macapá, que antes de Janary tinha feições de vila, virou capital, cresceu e se urbanizou, com um grande empurrão da exploração manganífera empreendida pela Indústria e Comércio de Minério S/A (Icomi), embora o grosso de seus lucros não respingassem em quantidade suficiente para garantir um crescimento econômico consistente o suficiente para que o Amapá pudesse seguir adiante sem depender única e exclusivamente do manganês.
A era TFA foi relativamente auspiciosa para uma população que se acomodava agradavelmente entre cinco municípios e era abastecida em suas demandas pelo governo federal que também se responsabilizava pelo pagamento do funcionalismo público. De Janary ao seu irmão Pauxy Nunes, passando por Ivanhoé Martins e Artur Henning, até chegar a Annibal Barcellos e Jorge Nova da Costa, último governador dessa fase acomodou-se sob os auspícios do governo federal, pai não muito extremoso mas necessariamente provedor, e esqueceu de cuidar de si e se preparar para a maioridade, leia-se sua transformação em estado. Isolado geográfica e culturalmente do país e da própria Região Norte, e com uma classe política pouco afeita ao nativismo e ao zelo pelo bem-estar de sua gente, o Amapá ficou pra trás e Macapá, sua espinha dorsal, sofre todas as consequências da malograda evolução histórica.
A criação do estado do Amapá, com a promulgação da atual Constituição Federal, em 1988, coincidiu com a diluição do projeto Icomi e com a chegada da Área de Livre Comércio de Macapá e Santana (ALCMS), instalada no início dos anos 1990. Saudada como a redenção econômica do Amapá, e com seu núcleo fincado em Macapá, a Zona Franca do Amapá (ZFA) foi um sopro de esperança que virou euforia em seu início e, aos poucos, foi mostrando sua verdadeira face, mais sombria e cruel do que sua chegada alvissareira. O inchaço populacional e a incapacidade da capital de absorver o excedente e dar emprego à gigantesca mão de obra que, sem casa e sem emprego, invadiu áreas de proteção ambiental, alargou os limites das periferias e passou a conviver com a incômoda companhia das mazelas sociais. De eldorado no setentrião pátrio e oásis de prosperidade para brasileiros e estrangeiros, o Amapá, e fundamentalmente Macapá, não foi capaz de atender às demandas de sua gente e a ALMS sucumbiu.
É impossível falar da história de Macapá desvinculada da história do Amapá. Ambas se confundem, se fundem e se completam. A capital do estado, outrora “Cidade Joia da Amazônia”, segue sua sina errante em busca do desenvolvimento político, econômico e social tão sonhado desde os primórdios nos tempos coloniais. E mesmo sendo dotada de grande capacidade econômica e recursos naturais, ambientalmente preservada e promissora, e com uma interessante e até exótica vocação para o turismo, graças às suas potencialidades no âmbito do desenvolvimento sustentável, Macapá permanece estacionada à margem esquerda do rio Amazonas, como a cabocla bonita encantada e enganada pelo boto. Parece pilhéria, mas a história da cidade – e do próprio estado – se confunde com suas lendas mais populares e engraçadas. E seria cômico se não fosse tragicômico.