13 de Setembro de 1943: Criação do ex-Território Federal do Amapá completa 79 anos
No dia 13 de setembro de 1943, o então ditador do Estado Novo Getúlio Vargas criou através do Decreto-Lei nº 5.812 cinco novas unidades federativas denominadas territórios federais que somadas ao Acre, constituiriam áreas subordinadas ao Governo Federal, com reduzida autonomia política e administrativa e sem representatividade legislativa. Assim nasceram os territórios federais do Amapá, Rio Branco (atual Roraima a partir de 1962), Guaporé (atual Rondônia a partir de 1956), Ponta Porã e Iguaçu, sendo que os dois últimos foram extintos em 1946, três anos após terem sido criados.
A criação dos territórios federais obedeceu a critérios de natureza constitucional, econômica e geopolítica. As cartas magnas de 1934 e 1937 já sinalizavam a criação de unidades federativas subordinadas e subsidiadas pelo governo federal, em áreas cujos estados aos quais pertenciam, não tivessem condições de prover-lhes o desenvolvimento econômico; O discurso da Segurança Nacional produzido numa época em que a Segunda Guerra Mundial atingia o seu clímax apontava para a necessidade da salvaguarda das fronteiras do território brasileiro, incluindo a faixa setentrional onde se localiza o território amapaense, e, a descoberta de manganês de alto teor na Serra do Navio, cujos lucros da exploração interessavam ao Governo Federal, não somente avalizavam como tornavam urgente, juntamente com os fatores supracitados, a emancipação das terras do Setentrião pátrio para excluir, no caso do Amapá, o Pará – seu dono desde os tempos coloniais – dos ganhos que as mesmas e suas “Pedras Negras” reluzentes, proporcionariam, já que além do manganês, também eram ricas em outros recursos minerais.
Até o “13 de setembro” de 1943, o atual Amapá era na verdade uma área geográfica pertencente ao Estado do Pará e formada pelos municípios de Macapá, Mazagão e Amapá, sendo que o último município teve suas terras incorporadas em definitivo ao território brasileiro em 1º de dezembro de 1900 por meio do Laudo Suíço ou Laudo de Berna, que pôs fim à Questão do Amapá, também referenciada como “Contestado Franco-Brasileiro”, que perdurava havia mais de dois séculos e que teve um desfecho favorável ao Brasil graças à atuação diplomática do Barão do Rio Branco.
Dias depois da criação dos territórios federais, o município de Amapá foi escolhido como a capital Amapaense, entre outros fatores, devido à logística proporcionada pela base aeronaval ali construída pela indústria de guerra dos EUA para compor o teatro de operações do Pacífico, onde os interesses imperialistas norte-americanos e japoneses haviam entrado em choque nesse período. Por abrigar a base militar norte-americana, a exemplo de Natal (RN) e de Belém (PA) onde foram construídos outras edifícios desse porte (a de Belém era no local onde hoje se encontra o Aeroporto Val-de-Cans ou Cães), a cidade de Amapá foi dotada de estrutura adequada para atender às demandas dos militares estrangeiros ali instalados. Por esse mesmo motivo, foi escolhida para ser – embora por apenas oito meses -, a pimeira capital do Território Federal do Amapá (TFA).
Em 17 de dezembro de 1943, cerca de três meses após a criação do TFA, Janary Gentil Nunes, paraense de Alenquer, oficial do Exército brasileiro, e que conhecia profundamente a região amapaense por ter sido anos antes comandante do destacamento militar de Clevelândia do Norte, em Oiapoque, foi nomeado por Getúlio Vargas para ser o primeiro governador do Território do Amapá. Ele somente tomou posse no ano seguinte, em 25 de janeiro de 1944 (daí resulta certa confusão em alguns debates sobre a idade do TFA). No ato da posse, as terras amapaenses foram transferidas para a União, fato que desagradou sobremaneira parte da classe política paraense, que ficou ainda mais insatisfeita quando a exploração de manganês começou a prosperar, embora sem dar lucros ao Amapá. Com a emancipação amapaense, o Pará deixou de ser dono – senão uma mina de ouro -, mas de uma imensa e rica mina de manganês.
Somente em 31 de maio de 1944, cerca de quatro meses após a posse de Janary Nunes ocorrida em Macapá e não em Amapá, como era de direito, foi que a antiga Vila de São José de Macapá, habitada antes da colonização portuguesa pelos índios Tucuju, foi efetivada como sede política do nascente território federal, passando a ser capital de direito, já que até então, era apenas e provisoriamente a capital de fato. Assim, o “13 de setembro de 1943” se constituiu num verdadeiro divisor de águas na história do Amapá que até então estava condenado ao descaso por parte do governo do Pará e do governo federal, dentro de um contexto que se arrastava desde o período colonial e que em pouco ou quase nada se alterou no curso do período imperial e nas primeiras três décadas da era republicana.
A partir da sua elevação à categoria de território federal, o Amapá passou a vivenciar uma experiência inédita e que o impactaria de forma marcante por conta da ingerência do Governo Federal que intervia do ponto de vista político, econômico e sociocultural, gerando uma dependência que caracterizaria os 45 anos da fase territorial, e mudaria para sempre a história de Macapá, a mais atingida entre todas as unidades municipais, pela data magna de criação do TFA.
O Amapá foi desmembrado do Pará, mas não foi em contrapartida dotado plenamente de autonomia política e administrativa. Seus governadores eram nomeados pela presidência da República, e os prefeitos municipais eram escolhas que cabiam ao governador da hora. O TFA somente passou a ter representatividade política em 1946, com a eleição de Coaracy Nunes, irmão de Janary Nunes, para a Câmara Federal, permanecendo com representatividade mínima até 1978, quando os territórios federais passaram a ter duas vagas. Em 1982, essas unidades ganharam mais duas cadeiras na Câmara Federal, totalizando quatro deputados, número que se manteve com a eleição da Assembleia Nacional Constituinte eleita em 1986. Com o advento do Amapá Estado, o número de deputados dobrou e até o período atual se mantém com oito representantes na Câmara dos Deputados e três no Senado Federal.
Em 1945, foi criado o município de Oiapoque, cujas terras foram desmembradas do município de Amapá, assim como ocorreu com a criação de Calçoene, em 1956. Até 1987, nas vésperas da transformação do Amapá em estado, o TFA teve apenas 5 municípios. Em 17 de dezembro desse ano, foram emancipados os distritos de Santana, Ferreira Gomes e Tartarugalzinho, então pertencentes à Macapá, e Laranjal do Jari, distrito desmembrado de Mazagão. Durante 53 anos o Amapá foi território federal e os governantes – dentre eles Janary Nunes foi de longe o mais empreendedor e emblemático – procuraram dotar o torrão setentrional de todas as condições que pudessem transformá-lo em estado da federação brasileira, como de fato ocorreu com a promulgação da atual Constituição Federal, em 5 de outubro de 1988. O Amapá “Território” foi a fase de transição necessária para o Amapá “Estado” e sem ela, o Estado do Amapá certamente demoraria muito a ser de fato materializado.
O desfile cívico-estudantil que até hoje marca o dia 13 de setembro e que comemora o aniversário de criação do TFA, era a cereja do bolo da Semana da Pátria daqueles tempos idos. Ao reunir uma multidão na Avenida FAB para a realização dos desfiles dos principais educandários locais, a festa preparada meses antes praticamente tirava toda a população de suas casas para ocuparem as arquibancadas montadas nas marginais da Avenida FAB entre as ruas Odilardo Silva e General Rondon naquelas inesquecíveis manhãs de sol próximo ao marco zero da Linha do Equador, às margens do majestoso rio Amazonas.
Nesse dia, as escolas mais renomadas e tradicionais de Macapá davam espetáculos de gala ao desfilarem pelo tapete de asfalto da FAB. Nessa passarela pontuavam com brilho o Instituto de Educação do Território do Amapá (IETA) –, onde atualmente funciona a Universidade Estadual do Amapá (UEAP); Ginásio de Macapá (GM) – , atual Escola Antônio Cordeiro Pontes (também se chamou em outros tempos Escola Industrial de Macapá e Escola Integrada de Macapá); Colégio Amapaense (CA); e o Colégio Comercial do Amapá (CCA) -, atual Escola Gabriel Almeida Café, cuja banda conquistou na década de 1980 um então inédito pentacampeonato no certame de bandas locais.
O pelotão de evoluções “Os Arautos do Setentrião”, comandado pelo professor Leandro Alcântara era outro grupamento que arrebatava a multidão que se acotovelava nas arquibancadas sob a “quentura” daquela atmosfera de comemoração. A passagem da Banda Oscar Santos do GM, os populares “Bonequinhos de Anil”, tendo à frente o inesquecível maestro “Mestre Oscar”, – meu tio-avô -, desfilando garbosamente com sua batuta é, certamente, a imagem mais icônica do dia 13 de setembro, a data mitológica que nunca sairá da memória saudosista dos seres humanos que vivenciaram aquela época e que hoje, como eu, estão mergulhados na nostalgia de um tempo que não volta mais, mas que se faz imorredouro, eternizado pelo que foi e continua representando para a história do Estado do Amapá, 79 anos depois.
Texto: Célio Alício (Historiador, professor de História e radialista)
Foto/Capa: Arquivo pessoal/historiador